Como já referimos, nas línguas moçambicanas adopta-se a escrita fonémica, em que um grafema é representado por um único som. As vogais, independentemente do ambiente da sua ocorrência, sempre serão lidas como elas são. Por exemplo, as vogais [o]e [e] serão lidas como elas são em qualquer contexto onde ocorrem. Veja-se as seguintes palavras:
Exemplos 1:
Xichangana: | tolo “ontem” [e não tolu, como seria em Português] |
ntete “gafanhoto” [e não nteti, como seria em Português] | |
Xiphamanini “bairro/mercado [lê-se i em todos os contextos] | |
buluku “calças” [lê-se u em todos os contextos] | |
Cindau: |
masoko “notícias” [e não mazoku, como seria em Português] |
shamwari “amigo” [lê-se i em todos os contextos] | |
ruwa yedu “nossa flôr” [lê-se u em todos os contextos] | |
Shimakonde: |
madodo “pernas” [e não madodu, como seria em Português] |
Ainda sobre as vogais, há uma particularidade nas línguas bantu. Algumas destas línguas possuem dois tipos de vogais, as breves e as longas. As breves (ou não alongadas) são representadas na escrita por uma letra, ou seja, são escritas normalmente.
Tabela 6: Vogais breves
Exemplos 2:
Xirhonga: | mabomu “limões” | ndlala “fome” |
Cinyungwe: |
manja “mãos” |
ntsomba “peixe” |
Em contrapartida, as vogais longas são escritas duplicando a letra correspondente.
Tabela 7: Vogais longas
A representação destas vogais na escrita de algumas línguas moçambicanas é de extrema importância, pois através delas se pode distinguir o significado entre duas ou mais palavras. A sua representação é obrigatória em línguas como Emakhuwa, Ciyaawo, Echuwabu, Ciwute, onde duas palavras distinguer-se pelo alongamento da vogal, o que quer dizer que elas têm uma função contrastiva.
Exemplos 3:
Emakhuwa: | omala “acabar” | vs. | omaala “calar-se” |
omela “germinar” | vs. | omeela “repartir” | |
Ciyaawo: |
kusoma “picar” |
vs. |
kusooma “estudar/ler” |
kupata “obter/adquirir” | vs. | kupaata “sacudir/limpar” | |
Echuwabu: |
bala “queimadura/bala” |
vs. |
baala “gazela” |
otela “casar-se” | vs. | oteela “alegrar-se” |
Certamente que na actividade que realizou em grupo, comparando o alfabeto do Português e da sua língua moçambicana, encontrou algumas semelhanças e diferenças entre elas. Boa parte das diferenças refere-se às particularidades da representação gráfica das consoantes das línguas moçambicanas que, de modo geral, segue os seguintes princípios:
(i) Cada consoante representa o mesmo som em qualquer ambiente de ocorrência.
Exemplos 4:
Citshwa: | kukuma “encontrar” | kukatekisiwa “ser abençoado/a” |
Shimakonde: |
lupapa “asa” |
kwigwilila “escutar” |
Xichangana: |
kusaseka “ser bonito/a” |
kucincana “trocar um ao outro/trocar-se” |
(ii) Geralmente, as consoantes podem sofrer algumas alterações/modificações. Estas podem ser por:
a) Pré-nasalização
A nasalização, que na língua portuguesa é geralmente marcada em vogais, como em acção, também, funções, etc. nas línguas bantu ocorre frequentemente nas consoantes. Nas línguas moçambicanas, ela é marcada antepondo m/n antes de uma dada consoante ou grupo de consoantes. As especificidades ortográficas de cada língua ditam em que circunstâncias e que tipo de nasalização deve ser marcada.
Exemplos 5:
Cicopi: | ngoma “batuque” | nkondo “pé” |
Ndau: |
mbuto “lugar” |
mvura “chuva” |
Kimwani: |
mainsha “vida” |
mumbu “escroto” |
b) Aspiração
A aspiração, que na escrita é marcada por h, é um processo fonológico muito presente em todas as línguas moçambicanas. A aspiração é, em muitos casos, contrastiva, ou seja, pode servir para distinguir o significado entre duas ou mais palavras em uma dada língua.
Exemplos 6:
Cinyungwe: | kutota “molhar-se” | vs. | kuthotha “expulsar” |
Xichangana: |
kupakela “carregar” |
vs. |
kuphakela “distribuir” |
c) Labialização
Nas línguas bantu, há um princípio segundo o qual não é regular que duas ou mais vogais sejam escritas seguidamente em uma dada palavra, como acontece na língua portuguesa, em que podemos encontrar a sequência de duas ou três vogais, denominadas por ditongos e tritongos, respectivamente. Assim, para se evitar a sequência das vogais u, a, e, i na escrita de uma determinada palavra recorre-se a dois processos, nomeadamente a labialização e a palatalização.
Exemplos 7:
Cisena: | kugwesa “deixar cair” cf: [kuguesa] |
Cibalke: |
hwinga “matrimónio” cf: [huinga] |
Cimanyika: |
imbwa “cão” cf: [imbua] |
d) Palatalização
A palatalização é uma estratégia para evitar a sequência de vogais, principalmente de i, a, e, o. Ela é marcada por inserção de y.
Exemplos 8:
Gitonga: | gyanana “criança” | wupya “novo/a” | cf:[gianana, wupia] |
Cinyanja: |
kupya “queimar-se” |
kudya “comer” |
cf: [kupia, kudia] |
IMPORTANTE
A labialização e a palatalização são estratégias para se evitar a sequência das vogais na ortografia das línguas moçambicanas. Contudo, em algumas línguas moçambicanas, onde ainda não existem muitos estudos linguísticos, persistem algumas incoerências na escrita, como é o caso de ndaenda em Cibalke, em que, obedecendo à regra anunciada anteriormente, a escrita correcta desta palavra seria ndayenda.
Actividade 4
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Trabalho em grupo |
Texto 1: Emakhuwa ETUUFU Etuufu eri nisoma na ofayi. Ela eniiniwa ni athiyana Nisoma na etuufu niniiniwa ni makhata. Etuufu eniiniwa Wamphula, oKhaapu Telekaatu ni oSampeesiya. Ofuntti wa anamwane a etuufu onikhala woottittimihiwa. Nihaana olaleya etuufu mulaponi mu. Nisoma na etuufu olokiha eruttu. [in MINEDH e Vamos Ler (coord) (2017)] |
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Texto 2: Cinyanja NGOMA Galu akalira keke. Galu akalira keke palinyama. Atakhala kholwa? Atakhala kholowa! Galu sangalile (2x) Galu akhalira keke palinyama. (Dança popular de Angónia, Província de Tete) |
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(iii) Consoantes especiais ou raras
Nas línguas moçambicanas, há um conjunto de consoantes que são típicas de cada língua. São as chamadas consoantes especiais ou raras, cujo tratamento requer o conhecimento da língua em questão, razão pela qual este assunto não pode ser tratado de forma generalizada. Porém, tomemos Xichangana como exemplo.
Exemplos 9:
Xichangana: | xiqamelo “almofada” | mugqhivela “sábado” | n’qolo “carroça” |
As consoantes marcadas são denominadas cliques. Nesta língua, há um número considerável de vocábulos de uso corrente, muitos deles que surgiram por empréstimos vindos de outras línguas bantu sul-africanas como o Zulu e o Xhosa. Existem outras tantas consoantes especiais que aqui não foram mencionadas. Se quiser conhecê-las com mais detalhes, consulte, por exemplo, a separata sobre a padronização da ortografia do Xichangana.
(iv) Combinações de grafemas/consoantes
Uma das particularidades das consoantes das línguas moçambicanas é poderem combinar entre si para formar/representar um determinado som. Estas combinações não são aleatórias, mas estabelecidas conforme as convenções de escrita de cada língua.
Exemplos 10:
Xirhonga: | hlolana “milagre” | dzolonga “distúrbio” | trolo “joelho” |
Cindau: |
padhuze “perto” |
pfuma “riqueza” |
zvakanaka “bom” |
Importante
Há uma preocupação em se harmonizar a ortografia das línguas moçambicanas para que a mesma letra represente o mesmo som existente nas diferentes línguas. Por exemplo, o grafema /c/ representa o mesmo som em línguas Cicopi, Ciyaawo, Cisena, daí a escrita dos nomes destas línguas ser Cicopi, Ciyaawo, Cisena, respectivamente. Contudo, em alguns casos, esses consensos não foram ainda conseguidos. Por exemplo, /x/ e /sh/, em Xichangana e Shimakonde, têm a mesma pronúncia nas duas línguas, mas representadas de formas diferentes.
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Resumo |
Tal como as vogais, qualquer consoante nas línguas bantu de Moçambique representa um e único som, independentemente do ambiente em que ocorre. As consoantes podem ser modificadas por pré-nasalização, aspiração, labialização e palatalização. Duas ou mais consoantes podem ser combinadas para representar um determinado som na língua. Em algumas línguas moçambicanas existem consoantes especiais ou típicas.
Actividade 5
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Trabalho aos pares |
Parte 1: Com o/a seu/sua colega, falante da mesma língua moçambicana que a sua, procurem o maior número possível de palavras com consoantes combinadas. A seguir, confrontem os resultados da vossa busca com o que vem estabelecido nas regras sobre a padronização da ortografia da vossa língua;
Parte 2: Com o/a mesmo/a colega, elaborem um pequeno texto sobre paridade entre rapazes e raparigas no acesso à educação primária. Se for necessário, podem incluir outras palavras que não tenham consoantes combinadas. Na sequência, visitem a biblioteca do IFP ou da Escola para consultarem, nos livros infantis escritos em línguas locais/moçambicanas, algumas das palavras que tenham consoantes combinadas;
Parte 3: Dois a dois ou em grupo de três colegas, procurem encontrar o maior número de palavras que ilustrem os casos de modificação de consoantes na vossa língua moçambicana. A seguir, discutam a leitura e a escrita dessas palavras com os restantes falantes dessa língua ou em plenário com a turma.
Nota: O conteúdo deste vídeo contém o mesmo conteúdo do texto do Manual